quarta-feira, maio 8

Corvette vermelho com faixa branca

Estou indignado e lixado. 
O homem podia ter ajudado, ele sabia que estava nervoso, algo que é normal porque os nervos aparecem a todos, mas não, o homem tinha de ser um cabrão que provavelmente tem um emprego que detesta e arrepende-se todos os dias de ter desistido dos seus sonhos porque provavelmente alguém com uma opinião achada por ele superior, o fez desistir deles. Mas ninguém tem culpa disso, eu muito menos, eu sou só um gajo random, for fuck's sake, há tanta gente no mundo, eu sou apenas mais uma! Quando não gostamos das cenas, das duas uma, ora fazemos por gostar, porque a vida está difícil para todos ou então é ir atrás do que queremos, custe isso o que custar. Mas não, o gajo tinha de descarregar o facto de estar ali contrariado. Eu gosto de dormir e aparentemente ele também, mas trabalho é trabalho, foda-se.

Um dia:
Vejo-me num dia de Verão tépido a andar num Corvette descapotável vermelho, com uma faixa branca por todo o carro, mais ou menos a meio, centrado fica bonito. Carro este com os estofos brancos, numa categoria de carros desportivos. A soundtrack que acompanha: rock puro dos anos oitenta, riffs que a guitarra gasta, que causa arrepios de serem tão geniais.
Venho eu por fora de uma localidade, com óculos Ray Ban Aviator na cara, haverão de ser umas seis horas da tarde, não tenho a certeza, neste momento aborrece-me olhar para o relógio para o confirmar, mas ao que tudo indica, o sol já está a mostrar o que o seu auge do dia já passou e todos percebemos isso.
Lá reduzo a velocidade ao entrar dentro da localidade, porque temos de cumprir as leis estabelecidas  apesar de ser um pouco anárquico, neste caso não compensa, nem para mim, nem para os outros, vidas em risco é muito giro, mas é de evitar (quando não for propositado..).
Já passaram uns meses, quiçá, uns anos e reencontro o homem, e a teoria da relatividade aplica-se; o tempo parece que abranda quando o intercepto com o meu olhar, está ele a passar numa passadeira, distraído, lá com a sua vidinha e rapidamente estou decidido do que vou fazer; do que quero fazer. Aquele segundo que demorei a olhar para ele e identifica-lo foram para mim dez minutos.
Pedal to the medal e acelero enquanto ele ainda se encontra a meio da passadeira, o tempo parece que abranda novamente e agora sim (a este ponto tirei os óculos de sol, para o meu rosto estar bem visivel) ele repara, franze o sobrolho como quem aparenta reconhecer alguém, mas não sabe de onde, quando ou porquê, já agora. 
A frente do carro empate contra a sua barriga, fazendo com o que o seu corpo seja projectado com alguma violência para trás, deslizando este alguns metros pelo alcatrão.
Vou ter com ele, as pessoas revelam-se incrédulas na rua, mas com um ar mais ou menos relaxado porque me vêm a ir ter com ele, onde pensam, "vá lá, ele atropelou-o, mas foi ter com ele, vai-lhe dar assistência". Aí se enganam. 
Antes de sair do carro, volto a colocar os Ray Ban na cara, aproximo-me então do corpo ensanguentado  agacho-me, fixo a cara dele uns longos doze segundos e agora sim, lentamente removo os óculos da minha cara e digo:
- "E agora? Já sou dinâmico o suficiente para ti, meu cabrão?"
Ele tenta retorquir, mas apenas consegue emitir uns "ais" de dor angustiada e agonizada onde tenta estender lentamente a mão, como quem pede ajuda, eu estendo a minha e quando ele tenta agarrar, eu largo a minha e respondo-lhe: 
-"Quando eu precisei, não me ajudaste.. Agora eu não te ajudo."
Levanto-me tranquilamente sem olhar para trás, entro no Corvette e vou à minha vida.

Claro que isto não vai acontecer, não porque eu não vou ter um Corvette, mas porque com mais vontade que eu tenha que esta visão cinematográfica se realize, sei que está a ser escrita com raiva, rancor, que eventualmente há de passar, quiçá, mas posso sonhar um pouco, sou livre em pensamento e quero usufruir disso enquanto posso, vou sonhar e espero que este texto não ganhe vida e aconteça. 
Espero.

Nenhum comentário:

Postar um comentário